pra mais tarde



acabei ficando perdida de novo.
acabei-me perdida.
não levantei quando me chamaram.
não me chamaram talvez.
levei umas flores na mão que mais gosto.
apertei os cabos delas até que me doesse.
a lembrança da dor é sempre mais doída.
engraçado, a lembrança de uma alegria nem chega perto.
mas não é pra agora o que eu digo;
é pra esta tarde, e pra o que não acontece nela.

poema do fernando pessoa sobre a lavadeira:


A lavadeira no tanque
Bate roupa em pedra bem.
Canta porque canta e é triste
Porque canta porque existe;
Por isso é alegre também.

Ora se eu alguma vez
Pudesse fazer nos versos
O que a essa roupa ela fez,
Eu perdeira talvez
Os meus destinos diversos.

Há uma grande unidade
Em, sem pensar nem razão,
E até cantando a metade,
Bater roupa em realidade...
Quem me lava o coração?






me diga todas as verdades, me diga as mentiras e o que quiser. eu estou em um bar, na verdade, não estou, mas é como se eu estivesse. escrevo não sendo eu, mas sendo ele. lembro-me de mim deitado no chão da sua sala e dezenas de copos espalhadas por nós, na verdade, não havia dezenas de copos, no máximo três, para mim, para vós e para o gato. depois rastejando íamos para o quarto e mais mentiras. tudo derretendo e mais mentiras.









hoje eu estive bastante tonto e meu coração acelerado, mas era somente meus pensamentos cruéis que permaneceram mais que presentes durante todo o dia. tentei disfarçar, até fechei os olhos, mas o corpo, como um todo, continua eletrizado. não sei se tomo um comprimido ou um destino. tentei ocupar-me com uns livros que eu gosto. escovei os dentes para tirar esse gosto amargo dos dias da minha boca irremediável. conto-te um problema e você me abraça fortemente. agora pode começar a dizer.








eu, como grande garimpeiro que sou de tudo o que é feito pelas pessoas deste grupo, reescrevo aqui o que me escreveram há tempos e tempos:






o mais doce dilema
é aquele que mora
numa rua pequena






sob a escada lê-se:

um par de tênis azul, par de tênis vermelho.

e a menina pequena, quase bebê de tão sem consciência, afirmava com insistência, porém sem teimosia:

-eu tenho dois sapatos! dois!

dizendo isso,referia-se ao fato de ao ser presenteada com sapatos,ter a sorte de ganhar dois de cada vez,e exatamente iguais. era uma menina que gostava de sapatos,então era como se ela ganhasse sempre duas bonecas,idênticas, cor-de-rosa febre. Sem nunca se dar conta de que ganhava dois pelo número de pés que possuía. Não, ela achava mesmo era muita sorte tudo isso.

-você tem sapatos?

os adultos ao redor,cheios de tanto calçar sapatos, apenas mostravam os seus por debaixo das barras das calças sem nenhum entusiasmo.

-eu tenho dois! eu tenho dois!


e o seus pés eram pequenos.bem pequenos. mas não dava dó.

dava um pouco de alegria olhar pra eles.