Adormeci. Acordei numa cama, sem roupa. Tinham levado a impudência ao ponto de me limpar, a julgar pelo cheiro que eu exalava, não exalava mais. Fui até a porta. Fechada à chave. Até a janela. Gradeada. Ainda não era noite escura. O que se pode tentar quando já se tentou a porta e a janela. A chaminé talvez. Procurei minhas roupas. Encontrei um interruptor e o pressionei. Sem resultado. Que história! Tudo isso me deixava razoavelmente indiferente. Encontrei minhas muletas, encostadas numa poltrona. Acharão estranho que eu tenha conseguido fazer os movimentos indicados sem seu auxílio. Acho isso estranho. A gente não se recorda imediatamente quem é, ao acordar.

molloy,
s.beckett









bastante frágil, caminha com as pontas dos pés, tem o rosto delicado e esfumaçado, um vel lhe cobre a face. é muito rica. atriz de cinema que fez poucos filmes. bastante enigmática sem ser rude ou parecer como tal. ela não fala. tem sempre um homem de chapéu e casaco comprida a acompanhando. ele a protege de tudo. os dois andam muito próximos, mas ele um passo a frente querendo cobrí-la.

o médico lhe deu um prazo de mais 2 meses de vida. ele está satisfeito, emocionadíssimo. vive se gabando por estar perto da morte, por ter essa certeza de que em mais ou menos 60 dias já estará morto. vive com a família um caminho final de verdades, força verdades, inventa histórias para ter um fim mais bonito.

os dois irmãos têm 20 anos, mas a ingenuidade lhes congelou no tempo. nunca querem deixar o piquenique. "a festa é o oposto da saudade".

ele não sabe o que na vida lhe deixou com poucas palavras. carrega a mulher nos braços e ela diz apenas o que ele quer ouvir.





















versão online do desinformativo PÃO COM OVO
















para visualizar melhor, clique nas imagens.








Picnics quer espaço

O Picnics Urbanos está em busca de um espaço para desenvolver seus trabalhos. Nossa idéia é conseguir lugares onde possamos dar continuidade às nossas pesquisas, ensaios e apresentações. Dividir espaços com outros grupos e artistas é uma ótima alternativa. Portanto, se você souber de algum lugar para nos indicar ou quiser se juntar ao grupo nesta busca, enviamos nossos contatos abaixo:

E-mail
picnicsurbanos@gmail.com

Telefones
Danilo Dilettoso - (11) 7661 6972
Fernando André Ramos - (11) 6726 2657
Helder Capuzzo - (11) 8365 6401





















proposição para cenas distantes, 5 de dezembro de 2008.






NÃO TEMOS
CULPA QUE O SILÊNCIO
ESTEJA TÃO CARREGADO DE
SENTIDOS.













osmir, 30 anos

finge ser sempre o outro, por isso é realmente difícil saber quem ele é. até que um dia ele se reconhece.

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alex, 27

gosta de muitas coisas, mas o que ele mais gosta é de comer.



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Sem nome, 26

desempregado e precisa arranjar dinheiro para pagar aluguel. tem problemas de memória.


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pensar em espaços. a distância da mensagem, da imagem e da ação.













ter um espaço amplo, que pode ser ajustado. três planos simultâneos. predominantemente escuro. a luz será calculada.

abrir espaço para o público e para nós mesmos. informações econômicas sobre os personagens. abrir espaço.

um piano e um baralho, ou damas, ou reversi. um preto e branco.
a sopa e a coreografia partilhada.

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o impensável é um porão velho.

e eu me divertindo nele.

Cinza

Cinza. Eu gosto da cor cinza. Gosto também do nome cinza. Combina com a cor.
Assim como amarelo combina com amarelo.
Coloquei a cor cinza em todas as minhas janelas.
Não tenho muitas roupas cinzas, talvez seja uma questão de tempo... assim como fotografias que antes de serem antigas e cinzas foram momentinhos coloridos.






No próprio momento em que digere o objeto, o artista é digerido pela sociedade que já encontrou para ele um título e uma ocupação burocrática: ele será o engenheiro dos lazeres do futuro, atividade que em nada afeta o equilíbrio das estruturas sociais. A única maneira, para o artista de escapar da recuperação é procurar desencadear a criatividade geral, sem qualquer limite psicológico ou social. Sua criatividade se expressará no vivido.



L. Clark, 1969: "O corpo é a casa"



pra mais tarde



acabei ficando perdida de novo.
acabei-me perdida.
não levantei quando me chamaram.
não me chamaram talvez.
levei umas flores na mão que mais gosto.
apertei os cabos delas até que me doesse.
a lembrança da dor é sempre mais doída.
engraçado, a lembrança de uma alegria nem chega perto.
mas não é pra agora o que eu digo;
é pra esta tarde, e pra o que não acontece nela.

poema do fernando pessoa sobre a lavadeira:


A lavadeira no tanque
Bate roupa em pedra bem.
Canta porque canta e é triste
Porque canta porque existe;
Por isso é alegre também.

Ora se eu alguma vez
Pudesse fazer nos versos
O que a essa roupa ela fez,
Eu perdeira talvez
Os meus destinos diversos.

Há uma grande unidade
Em, sem pensar nem razão,
E até cantando a metade,
Bater roupa em realidade...
Quem me lava o coração?






me diga todas as verdades, me diga as mentiras e o que quiser. eu estou em um bar, na verdade, não estou, mas é como se eu estivesse. escrevo não sendo eu, mas sendo ele. lembro-me de mim deitado no chão da sua sala e dezenas de copos espalhadas por nós, na verdade, não havia dezenas de copos, no máximo três, para mim, para vós e para o gato. depois rastejando íamos para o quarto e mais mentiras. tudo derretendo e mais mentiras.









hoje eu estive bastante tonto e meu coração acelerado, mas era somente meus pensamentos cruéis que permaneceram mais que presentes durante todo o dia. tentei disfarçar, até fechei os olhos, mas o corpo, como um todo, continua eletrizado. não sei se tomo um comprimido ou um destino. tentei ocupar-me com uns livros que eu gosto. escovei os dentes para tirar esse gosto amargo dos dias da minha boca irremediável. conto-te um problema e você me abraça fortemente. agora pode começar a dizer.








eu, como grande garimpeiro que sou de tudo o que é feito pelas pessoas deste grupo, reescrevo aqui o que me escreveram há tempos e tempos:






o mais doce dilema
é aquele que mora
numa rua pequena






sob a escada lê-se:

um par de tênis azul, par de tênis vermelho.

e a menina pequena, quase bebê de tão sem consciência, afirmava com insistência, porém sem teimosia:

-eu tenho dois sapatos! dois!

dizendo isso,referia-se ao fato de ao ser presenteada com sapatos,ter a sorte de ganhar dois de cada vez,e exatamente iguais. era uma menina que gostava de sapatos,então era como se ela ganhasse sempre duas bonecas,idênticas, cor-de-rosa febre. Sem nunca se dar conta de que ganhava dois pelo número de pés que possuía. Não, ela achava mesmo era muita sorte tudo isso.

-você tem sapatos?

os adultos ao redor,cheios de tanto calçar sapatos, apenas mostravam os seus por debaixo das barras das calças sem nenhum entusiasmo.

-eu tenho dois! eu tenho dois!


e o seus pés eram pequenos.bem pequenos. mas não dava dó.

dava um pouco de alegria olhar pra eles.

















e.hopper